quinta-feira, 23 de julho de 2009

O Fabuloso Destino de Amelie Poulain


Por indicação de uma prima querida, fui procurar este filme (O Fabuloso Destino de Amelie Poulain - França, 2001; de Jean-Pierre Jeunet, com Audrey Tautou e Mathieu Kassovitz), do qual eu já havia ouvido falarem muito bem, mas que eu nem lembrava mais de querer assistir. Fico devendo esse favor.

Sim, porque é um filme encantador. Impressionista e francês - na melhor acepção de ambas as palavras. E os olhos grandes no rosto delicado de Audrey Tautou ficaram perfeitos na história de Amelie Poulain.

Ela, Amelie Poulain, foi uma criança que teve todos os motivos para ser triste. Mas acontece que ela é feliz - ou quase. Um pai distante - que, por ser incapaz de compreender os sentimentos da filha tanto quanto de compartilhá-los, julgou que uma leve palpitação fosse indício de uma doença grave - , e ma mãe neurótica e tragicamente morta: tudo isso fez de Amelie uma criança solitária e inevitavelmente sonhadora.

Quando resolve sair para o mundo, Amelie trabalha como garçonete num restaurante onde todos os demais funcionários, assim como os fregueses habituais, percebem a realidade cada qual do seu jeito: a hipocondríaca, que vê doença onde não há; o ciumento patológico, que vê traição em todos os mínimos atos da ex; a nostálgica Suzanne, que idealiza o seu passado num circo, etc. Todos eles com problemas reais, de fato - mas os problemas imaginados é que são os mais graves, como Amelie cedo percebe.

No início, Amelie apenas observa o mundo à sua volta, imaginando o que as outras pessoas poderiam estar fazendo ou sentindo, e participa desse mundo mais como expectadora. Até que, à época da morte de Lay Di, Amelie acidentalmente descobre um "tesouro escondido": uma caixinha cheia de brinquedos e outros objetos infantis. Imaginando o quanto aquela caixinha tão bem-guardada deve ter sido importante para o seu proprietário de décadas atrás, Amelie atribui a si mesma a missão de devolver o tesouro/infância perdido(a) ao seu legítimo e insubstituível dono. Após perceber que aquele pequeno gesto de bondade provocou uma mudança para melhor na vida de um homem até então infeliz, Amelie se dá conta de que fazer o bem àquele homem proporcionou também a ela uma justa felicidade. A partir daí, ela resolve fazer o bem a todos aqueles que a cercam e que ela percebe precisarem apenas de um pequeno empurrão rumo à felicidade.

E são justamente os planos cheios de criatividade deAmelie que dão movimento, graça e leveza ao filme. As inigualáveis compaixão e sensibilidade de Amelie fazem com que ela perceba exatamente o que incomoda as pessoas que a cercam, e a sua imaginação poderosa cria os caminhos para resolver os problemas alheios. Num momento especialmente saboroso do filme, ela consegue deixar desconfortável em sua própria casa um quitandeiro que tem por hábito humilhar o seu ajudante. Só que ela, que é tão hábil para dar um jeito na vida dos outros, não consegue enfrentar o desafio de arriscar o amor e, assim, resolver a própria vida. E é preciso que um homem de vidro, que não cansa de representar o mesmo quadro de Renoir (uma cópia por ano), cobre dela a coragem de encarar o amor de frente, sem máscaras ou subterfúgios - pois ela não tem, como ele, a desculpa de ossos frágeis para esconder-se do mundo.

O filme todo é de uma poesia tocante, e consegue o feito de nos deixar acreditando que a felicidade é possível e o amor é a salvação. E tudo isso quem nos mostra é uma garçonete parisiense - sem coroa, sem glamour e sem a impressionante beleza daquela princesa morta - contraste, de resto, bem evidenciado pelo narrador (apenas aparentemente protocolar), que enuncia fatos e sentimentos sem a pompa dos narradores usuais dos contos de fadas/estórias de princesas, mas que o faz (o narrar) com graça e verdade.

Se Renoir voltasse lá de onde ele está e resolvesse dirigir um filme, ele sairia mais ou menos assim.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Resumão de Férias


Fim das férias. Infelizmente. E nem terminei de ler todos os livros que levei pro sertão. Pelo menos comecei a ler quase todos eles: O Arqueiro/Bernard Cornwell (personagens rasos, ótimas descrições de combates medievais); O Andarilho/Bernard Cornwell (BC forçando a barra para dar algum tutano à busca pelo graal iniciada n'O Arqueiro); Raízes do Brasil/Sérgio Buarque de Hollanda (muito elegante, e uma média de três idéias interessantes por parágrafo); A Morte de Ivan Ilitch/Leon Tolstói (de uma verdade brutal, livro quase cínico - excelente); O Coração das Trevas/Joseph Conrad (Conrad preconceituoso, concentrado e intenso - excelente tb, adoro Conrad); A Jangada de Pedra/Zé Saramago (não 'tou gostando, sinceramente - não me envolve); Extremamente Alto & Incrivelmente Perto/Jonathan Safran Foer (MUITO bom, sensibilidade tocante e narrativa cheia de recursos...); As Origens da Virtude/Matt Ridley (tudo muito lógico, mas tira a beleza toda da virtude, que fica reduzida a mera prática evolutivamente consagrada); A Cabana/William P. Young (esse eu não termino - tudo muito clichê). Esses e a Revista Veja, saborosamente de direita - pra variar. E acordado até tarde durante toda a semana passada só pra ver Som & Fúria, a melhor coisa que a Globo fez nos últimos anos.

Pra não perder o costume:

"Quantas vezes, para mudar a vida, precisamos da vida inteira, pensamos tanto, tomamos balanço e hesitamos, depois voltamos ao princípio, tornamos a pensar e a pensar, deslocamo-nos nas calhas do tempo com um movimento circular, como os esponjinhos que atravessam o campo levantando poeira, folhas secas, insignificâncias, que para mais não lhes chegam as forças, bem melhor seria vivermos em terra de tufões". (José Saramago / A Jangada de Pedra)