domingo, 20 de setembro de 2009

De Post-It

Sempre gostei de guardar pequenas recordações, objetos que evocam lembranças de pessoas ou acontecimentos que, por um motivo ou outro, deixaram em minha alma uma forte impressão. Hoje, arrumando o guarda-roupas que herdei junto com a vaga no apartamento que ora habito, reencontrei vários trastes que fui juntando nestes últimos 4 ou 5 anos, coisas que não fossem elas receptáculos de boas memórias e já teriam sido dispensadas, deixando espaço para a precária organização que tento impor ao meu quarto.

Por exemplo: encontrei agora a pouco um bloquinho de post-its, que guardo tem bem uns três anos, já - e todo ele em branco (ou amarelo, na verdade). Acontece que esse bloquinho é a única recordacão física que me restou de uma boa amiga, de quem eu tinha por hábito furtar pequenos objetos só para vê-la irritada - daquele jeito charmoso que ela tinha de irritar-se comigo. Coincidentemente, este bloquinho - o último objeto que tirei dela e o único que não devolvi - esse bloquinho diz alguma coisa sobre a minha amiga, pessoa organizada que só ela, que sempre conferia aos compromissos o rigor e a formalidade de uma agenda, com datas e horários marcados e objetivos pré-definidos. E o fato de o bloquinho de post-its ter permanecido em branco (ou amarelo...) diz algo sobre a nossa amizade, de compromissos que não chegamos a assumir e que nunca saíram do infinito campo das meras possibilidades.

Da mesma forma, encontrei soldadinhos de metal que colecionei em minha adolescência, uma coruja de louça que meu irmão me deu, um velho poema escrito a quatro mãos e à distância, cartas amareladas de paixões que foram ficando pelos caminhos, etc etc etc. Tempos atrás, ri bastante e fiz piadas que não acabavam mais sobre uma tia minha que até pernas de óculos guardava, num quarto todo ele repleto de coisas do tipo. Vejo que não sou tão diferente dela, afinal.

Esses objetos ficaram, como pequenas lâmpadas mágicas, insuspeitas prisões dos gênios poderosos que são certas recordações que, se não nos concedem os três desejos como aqueles gênios dos contos árabes, nos contemplam com a possibilidade de imaginarmos os futuros alternativos que nos foram apresentados ao longo da vida: se eu tivesse ficado com Fulana, e escolhido deixar meu trabalho, e terminado meus estudos, e comprado uma moto, etc etc etc. A vida então teria sido outra, e outras as recordações que eu guardaria. E se é verdade que poderia ter sido diferente, também é verdade que não foi má até aqui, essa vida que me deu tantos motivos para guardar boas e valiosas recordações.

Assim, do dilema entre jogar fora alguns trastes ou conservá-los pelo preço da organização de um guarda-roupas, que sacrifique-se a organização, para que as memórias das boas coisas que vivi possam continuar me movendo rumo a tudo aquilo que ainda pretendo viver.

(Santa Cruz, 16/09/09).