domingo, 21 de dezembro de 2008

Eu sou é brega!


Eu sou das pessoas mais brutas que conheço. Para mim, o preto é preto, o branco é branco, o bonito é bonito, o feio é feio, o certo sou eu e o errado são os outros. Digo o que penso na maioria das vezes, e faço o que não devo quase sempre - e muito bem feito, obrigado. Não gosto de açúcar em meu café, não adulo criança pequena nem gente idosa, e não gosto de explicações com mais de três frases (introdução, desenvolvimento e conclusão). E escutar calado tem mais a ver com desatenção do que com concordância.

Por outro lado, eu sou um cara inegavelmente sensível (claro que sou!). Tem dias em que desconfio sentir até a poeira rolando por sobre a minha pele. Sociedade dos Poetas Mortos é um dos meus filmes prediletos, às vezes passo dias com um poema chacoalhando em minha cachola, e ver um pai de família chorando sempre aperta um pouco mais o eterno nó cego que há em minha garganta. E eu posso não ter essa sensibilidade toda para olhares, que não me dizem nada que eu não fosse descobrir de qualquer jeito, cedo ou tarde. Mas uma palavra, por vezes, vale mais que mil bofetes. E o soluço da Bem Amada (me perdoe, Vinícius) ribomba como um trovão dentro de mim, e ela chorando sou eu desmanchando e escorrendo pelo seu rosto - suas lágrimas.

Donde concluo, sem medo de errar (como sempre) e com a certeza dos que assumem a própria obtusidade com resignação (e uma certa arrogância): eu sou é brega. Esse misto de brutalidade e sentimentalismo barato só pode ser a semente de um girassol prestes a brotar em meu paletó colorido.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Zé Limeira em Campina Grande/PB


"Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coiaida,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos da farinhada."

"Uma véia gurizada
Pra mim já é fim de rama
Um véio Reis da Bahia
Casou-se em riba da cama,
Eu só digo pru dizê,
Traga o padre pra benzê
O suvaco da madama".

"Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum,
Feliz da mesa que tem
Costela de gaiamum,
No sertão do Cariri
Vi um casal de siri
Sem compromisso nenhum".

"Napoleão era um
Bom capitão de navio,
Sofria de tosse braba
No tempo em que era sadio,
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio".

"Meu verso merece um rio
Todo enfeitado de coco,
Boa semente de gado,
Bom criatoro de porco,
Dizia Pedro Segundo,
Que a coisa melhor do mundo
É cheiro de arroto choco".

"É difíce um home moco
Aprendê pirnografia,
Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno,
Judas só foi pro inferno
Prumode a Virgem Maria".

"São Pedro, na sacristia,
Batizou Agamenon,
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califon,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e piston".

"Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça:
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois
Sentou praça na puliça".

"Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José,
Passaram por Nazaré,
Foram pra Betelelém,
Chupô cana num engen',
Pediu arrancho num brejo,
De noite armunçou um tejo
Lá perto de Piancó,
Na sexta-feira malhó
Foi que Judas vendeu Jésu!"

"Jesus saiu de Belém,
Viajando pra o Egito,
No seu jumento bonito,
Com uma carga de xerém,
Mais tarde pegou um trem,
Nossa Senhora castiça,
De noite ele rezou missa
Na casa dum fogueteiro,
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!"

"Eu me chamo Limeirinha,
Nascido lá no Tauá,
Entre casca de angico,
Miolo de jatobá,
Bico de pato vadio,
Piscilone, z-a-zá."

"Aonde Limeira canta
O povo não aborrece,
Marrã de moça donzela
Suspira que o bucho cresce,
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!"

"Onde eu canto de viola
O povo chama São Braz,
A otomosfera agita,
Fica catingando a gás,
Polda de jumenta nova
Rincha de cair pra trás".

"Carmelita e Carmeluta
É tudo uma coisa só:
Carmeluta é pro chambrego,
Carmelita é pro xodó,
É prato de pirão verde
Com xerém de mocotó."

"Um General de Brigada,
Com quarenta grau de febre
Matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada...
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela,
Porco que come em gamela
Prova que não tem fastio,
Peixe só presta de rio,
Piau da tromba amarela".

"Cantador pra cantar com Limeirinha
É preciso ser muito envernizado,
Ter um taco de chifre de veado
E saber decorado a ladaínha,
Ter guardado uma pena de andorinha,
Condenar para sempre o carnaval,
Guardar terra de fundo de quintal
E é preciso engrossar o pau da venta,
Beber leite de peito de jumenta,
Ediceta, pei-bufo, coisa e tal!"
(Do maravilhoso livro de Orlando Tejo, "Zé Limeira, Poeta do Absurdo" - 5a Ed., Brasília, Senado Federal, 1980)