segunda-feira, 17 de agosto de 2009

De Leituras e Livros


"Seja como for, enquanto não chega esse dia, os livros estão aqui, como uma galáxia pulsante, e as palavras, dentro deles, são outra poeira cósmica flutuando, à espera do olhar que as irá fixar num sentido ou nelas procurará o sentido novo, porque assim como vão variando as explicações do universo, também a sentença que antes parecera imutável para todo o sempre oferece subitamente outra interpretação, a possibilidade duma contradição latente, a evidência do seu erro próprio." (José Saramago, História do Cerco de Lisboa)


"Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece. (...) Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as suas portas, quando um livro se perde no esquecimento, nós, guardiãos, os que conhecemos este lugar, garantimos que ele venha para cá. (...) Na loja, nós os vendemos e compramos, mas na verdade os livros não têm dono. Cada livro que você vê aqui foi o melhor amigo de um homem. (...)
- É hábito nosso, da primeira vez que alguém visita este lugar, que escolha um livro, aquele que preferir, e que o adote, garantindo assim que nunca desapareça, que se mantenha vivo para sempre. É uma promessa muito importante. (...)
(...) Aos poucos, assaltou-me a idéia de que atrás da capa de cada um daqueles l
ivros se abria um infinito universo por explorar e que, fora daquelas paredes, o mundo deixava que a tarde passasse em tardes de futebol e em novelas de rádio, satisfeito em ver apenas até onde vai o seu umbigo e pouco mais." (Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento).

"Geralmente, quando nos referimos à literatura, pensamos no que tradicionalmente se costuma chamar 'belas letras' ou 'beletrística'. Trata-se, evidentemente, só de uma parcela da literatura. Na acepção lata, literatura é tudo o que aparece fixado por meio de letras - obras científicas, reportagens, notícias, textos de propaganda, livros didáticos, receitas de cozinha, etc. Dentro deste vasto campo das letras, as belas letras representam um setor restrito. Seu traço distintivo parece ser menos a beleza das letras
do que seu caráter fictício ou imaginário. A delimitação do campo da beletrística pelo caráter ficcional ou imaginário tem a vantagem de basear-se em momentos de 'lógica literária' que, na maioria dos casos, podem ser verificados com certo rigor, sem que seja necessário recorrer a valorizações estéticas. Contudo o critério do caráter ficcional ou imaginário não satisfaz inteiramente o propósito de delimitar o campo da literatura no sentido restrito. A literatura de cordel tem caráter ficcional, mas não se pode dizer o mesmo dos Sermões do Padre Vieira, nem dos escritos de Pascal, nem provavelmente dos diários de Gide ou Kafka. Será ficção o poema didático De Rerum Natura, de Lucrécio? No entanto, nenhum historiador da literatura hesitará em eliminar das suas obras os romances triviais de baixo entretenimento e em nelas acolher os escritos mencionados. Parece portanto impossível renunciar por inteiro a critérios de valorização, principalmente estética, que como tais não atingem objetividade científica embora se possa ao menos postular certo consenso universal." (Antonio Candido e Ruma, A Personagem de Ficção).

"A poesia não é menos misteriosa que os outros elementos do orbe. Tal ou qual verso afortunado não pode envaidecer-nos, porque é dom do Acaso ou do Espírito; só os erros são nossos. Espero que o leitor descubra em minhas páginas algo que possa merecer sua memória; neste mundo a beleza é comum." (Jorge Luis Borges, Elogio da Sombra).

Um comentário:

DÉBORA disse...

Nossa, quantas citações legais. Só gente fina vc selecionou!
Elas poderiam naturalmente fazer parte de um mesmo texto, se pudéssemos juntá-las!
"A literatura faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles (...) porque ela encena a linguagem, em vez de, simplesmente utilizá-la, a literatura engrena o saber no rolamento de uma reflexividade infinita: através da escritura, o saber reflete incessantemente sobre o saber (...) a escrita faz do saber uma festa" [Roland Barthes]