terça-feira, 3 de junho de 2008

Tirando uma de Guimarães Rosa



Ilustração de Poty para "Grande Sertão: Veredas"


Figuro que sou diferente de todos, mas talvez nem seja tanto assim: minha vida decorreu trivial, sem grandes feitos de se exclamar nem grandes defeitos penados, purgados. Fui sertanejo, não sou mais – nem sei o que eu seja. Não me acho dentro de mim, a coisa definida, o meu algum miolo. Eu sou é água, mas não rio que corre: eu sou lagoinha funda de água barrenta. Em mim me perco, suspenso. Eu sou o nada pastoso, areia movediça.

E sido assim de em desde menino, pelo que me lembro demais de fantasioso, e solitário mesmo quando em bando de camaradas meus. Brincassem de alguma coisa, eu brincava com eles, mas era de coisa diversa, de significados em mim diferentes produzindo aqueles mesmos fazeres de menino: a fantasiação me pondo à parte, em ares demais de coloridos, demais de com garranchos de ordem somente. Era pau? Era, era espada coruscante para mim. Era pedra? Era jóia de poderes feiticeiros. Esconder-se: caçar ou tocaiar. Tudo sendo A Aventura sempre, de heróis e coragens, e a magnanimidade de Reis e Generais e os bons bandidos, por essa vida arrevesada, e bonita pelas cintilações desencontradas das muitas variadas pedras preciosas.

Sabiam meus camaradas que desempenhavam papéis próprios em minha estória só minha, alheia da deles, eu em mim forçando a Ordem daquilo tudo? Não, crianças são mundos. Não sei quem era eu dentro deles, também: fazendeiro ou soldado, ou ladrão ou peão. Pois em mim eles eram: os loucos vilões, ou os cavaleiros valorosos, ou os dispensáveis soldados, em guerra eterna de todos contra todos e tudos, se misturando sempre, e desmisturando diferentes, e Reis e Magos e Bruxos e Princesas, em enredos desencontrados por maus atores que eram – ou pela vida ser assim mesmo: ninguém entendendo seus papéis, nunca.

Minha meninice sendo assim a aquela invencionice minha, somente; e os alguns adultos sem entender minha sempre brincadeira, pegando à véra aquilo que era de brincadeira, e desfazendo de minhas doidices, graças a Deus. Pelo quê, peguei a crescer quando fui de Bom Lugar s’imbora para Mossoró, por estudos.

Lembro de lá ser dois: líder e chefe repuxando os rumos na escola, eu-somente em casa ou na Rua. Em casa eu forçava poesia, pelo muito que chorei no início daquela metade de segunda parte. Ao que foi, naquela época: brincar sozinho com as minhas verdades no início, para repartir com os outros as minhas mentiras depois.

Viver sendo sempre repartir mentiras, para caber na vida. A gente é, é grande demais, os espaços poucos no Mundo, e o tempo sendo outra coisa somente. A gente sempre guarda no fundo do tacho um restinho de nós-mesmos, pra Deus Menino se lambuzar no Juízo e ver o que presta e o que não presta. Acho que assim é, há de ser. Nojo de mim eu tive maior foi em saber disso, e perceber que somente raro se mente por não saber a verdade, que o normal é o mentir premeditado, doloso.

Dessas minhas bobéias, vergonhas tenho: quem sou eu pra sermão? E se for assim mesmo, e sendo verdades o que vejo mentiras, sendo eu O Idiota Estúrdio? Digo não, essas coisas, mais não. Ficou porque já disse, não desminto: Deus já viu, já tinha visto, até. Sendo Deus O Maior por ver as coisas sabendo o que foram e o que serão, Senhor De Todos Os Tempos. O tempo é de Deus somente. E Fé é crer que no Fim tudo vai dar certo, por mais errada que nos pareça a vida. E hoje eu tenho Fé, mas não foi sempre assim: ninguém nasce-morre Crente, somos gente por Duvidantes, também. Só bicho que sempre crê, e por isso desde sempre estão todos salvos. Eles, e Jó: “Post tenebras, spero lucem”.

De Mossoró, vim para Natal. Também por estudos, sendo a precisão de Aprender a força mandante nessa minha vida, reflito que desde o Início: pra isso que eu saí da barriga de minha mãe. Aprender é coisa que alegra, pra depois entristecer: eu figuro que estou sempre no Meio do Caminho, mas é sempre noite escura, e o Caminho talvez não tenha Fim – sendo assim que talvez não tenha nem Meio, nem Caminho. E sendo sempre Tudo e Nada com As Incertezas no Entre.

Natal, bom nome: Nasci de novo, e diferente. Sendo outro, sou Eu-Mesmo toda vida. Aqui fiz e desfiz amizades e amores, à custa de erros e acertos, e precisei de quebrar a cara, o coração e a perna, pra vislumbrar o que restou disso tudo. Sozinho-Dependente, com Deus por fora, que nem quando foi pra eu nascer da barriga de minha mãe, aí é que sempre me vejo melhor, me percebo mais, e o mundo torna a ser Novo. E eu não me canso, nunca, de Nascer.

4 comentários:

Como disse...

É, funcionou. Ficou tão parecido com Guimarães Rosa que não entendi nada. :)
Mas precisando, estamos aê. Eu chego atrasado, mas chego.

Moacy Cirne disse...

Nonada? Simtudo! Sertanejidades ou sertanecidades? Eu, também: do Seridó ao Rio Natal, estradeiro. Assim. Grato pela visita ao meu sertão carioca potiguar. Abracim.

Unknown disse...

Tentei entender!
Nao sou bom nisso, mas pareço mais com voce, irmao baxin, e só assim tento!
INté

DÉBORA disse...

Wowwwwwwwwwwwwwwwwwwwww, esse foi o meu preferido por aqui!
Que lindo!
"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."
Tentativa de imitar o estilo do Guima aprovadíssima!
=D
Bjim